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O bairro do Ipiranga, último destino da pesquisa.

Por Barbara Morais

 

 

Introdução

 

Na escrita original do projeto “Footfalls ou por onde caminha o mar?” o bairro do Ipiranga era a ultima etapa do percurso que teve inicio em Santos, passando por Cubatão, São Bernardo do Campo e Paranapiacaba e o recorte escolhido pela pesquisa foi o distrito do Sacomã por estar próximo a Rodovia Anchieta e historicamente ligado ao Caminho do Mar.

 

Mas antes de chegarmos ao Sacomã e imediações, vamos recuar no tempo para compreendermos um pouco mais sobre a história do Ipiranga.

 

“Domingos Luiz estava acabando a igreja. Já lhe dissemos missa nella com muita festa”. Essa frase foi extraída de uma carta do Pe. José de Anchieta datada de 1579, nela o Padre faz menção a Igreja Nossa Senhora da Luz no Ipiranga, foi essa a primeira vez que o nome “Ipiranga” surge em um documento.

 

Documentos de época apontam para a constante preocupação da coroa com o que se chamava “o caminho do Padre José” ou com a “estrada do Mar”, para ilustrar essa preocupação o órgão de poder da época desobrigou uma família que era proprietária das terras do Ipiranga de pagar qualquer quantia a coroa desde que essa família cuidasse das pontes e deixasse o caminho acessível para o transito das mercadorias rumo ao mar. Existe outro caso que se tem conhecimento sobre como o governo era realmente preocupado com a conservação desse caminho, certa vez um homem de nome João Pires foi condenado a morte por ter matado um indígena, mas tem a pena de morte suspensa em troca da promessa de refazer a estrada de Cubatão até São Paulo.

 

E do Caminho do Mar a história sinaliza um Ipiranga menos intenso do que os demais locais que estavam nesse percurso. Salvo é claro pelo palco da independência do Brasil naquelas terras. Para refletirmos melhor sobre isso vejamos o que os historiadores Máximo Barro e Roney Bacceli, e depois o que o memorialista português, mas radicado no Brasil, Luiz D’Alincourt nos dizem sobre esse aspecto:

 

“Encontramos uma constante em todo viajador do século XIX ao descrever o Ipiranga: solidão. Para quem de Santos chegasse a São Paulo, seria compreensível a escassez de homens e fogos no Caminho do Mar, mas nunca num local onde os campanários e mesmo as edificações mais altas da capital já podiam ser avistadas. Para compensar a rudeza da terra e amenizar as dificuldades do tropeiro ou viajante, tantos dos que partiam para Santos, como para os que chegam a São Paulo, prosperou o comércio de beira de estrada com pousadas e vendinhas, uma das quais participou do próprio ato da independência e ficou registrada no quadro de Pedro Américo”

 

“É notável o aumento que tem experimentado a povoação da estrada de Cubatão a São Paulo: em 1818 eram raros os moradores; em principio deste ano, em 1823, encontram-se moradores a cada passo. Embora trabalhem nossos inimigos em fazer retrogradar os progressos do Brasil, não o conseguirão de certo, transformar o que a pródiga natureza nos concedeu, não é obra dos homens. Não muito distante da cidade existe o célebre lugar chamado Piranga, que sempre será decantado nos Anais Brasileiros por ser onde o Grande, o Imortal Pedro Primeiro proclamou pela primeira vez a nossa independência ditosa”

 

Para quem viajava pelo Caminho do Mar o Ipiranga era um lugar de solidão, mas a memória oficial “carregava nas tintas” e potencializava o Ipiranga por ter sido o local onde se deu o 7 de setembro. Mas uma coisa é certa, quem habitava o Ipiranga por essa época poderia ficar tranqüilo em relação ao comércio destinado aos viajantes que iam e vinham rumo ao litoral.

 

Até a segunda metade do sec. XIX o Ipiranga era um lugar pouco povoado, salvo por alguns pequenos agricultores que lutavam com a terra pouco fecunda daquelas bandas, inclusive ao longo do tempo muitas dúvidas surgiram sobre quem realmente eram os proprietários daquelas terras. Alguns registros apontam o nome de duas famílias e de um Padre, mas recorremos ao que noticia o jornal Diário Popular de 3 de novembro de 1890:

 

“Supôs-se por muito tempo que os terrenos do Ipiranga eram de domínio público, como terras devolutas. O governo dispôs-se assim delas em grande parte nos últimos anos, pouco antes pouco antes de se elevarem o grande valor que tem hoje. Pois existe em mãos de pessoa dessa cidade uma escritura passada há algumas dezenas de anos, de venda que fez João da Graça a João Ramalho de um sítio com casa de pau a pique, cobertas de telhas com 509 braças de terras de testada, pouco mais ou menos de meia légua de campo de uma banda, partindo com terras de José Camargo Siqueira, e estrada do defunto cônego Salvador Pires Santiago, na cidade de São Paulo, e paragem chamada Ipiranga.

Serão esses os famosos terrenos do Ipiranga?

Existirão herdeiros de João Ramalho, o comprador?

Eis as questões que podem talvez dar origem à maior demanda, que tenha aparecido em foros paulistas.”

 

Curiosamente o povoamento do Ipiranga segue vagarosamente até o inicio do séc. XX quando o processo de industrialização se estabelece por toda a região e com ele todos desdobramentos sociais já imaginados.

 

O Sacomã

 

Nesse pedaço do Ipiranga terminava (ou começava) o Caminho do Mar reconstruído na década de 20 do século passado por Rugde Ramos, essa iniciativa foi a primeira onde a iniciativa privada explorava uma obra rodoviária através de pedágios instalados ao longo do Caminho do Mar, no Sacomã existia o primeiro e era identificado por um grande arco que sinalizava sua existência. A empreitada de Rugde Ramos termina em 1923 quando os pedágios foram abolidos.

 

Foi nesse lugar que os irmãos franceses Henry e Ernest Saccoman instalaram sua fábrica de telhas do tipo Marselha ainda no final do séc. XIX. Também outra família de industriais do ramo têxtil, os Jafet, constituem seu império.

 

Ainda no Sacomã existe uma das árvores mais antigas de São Paulo, trata-se de uma figueira localizada na Estrada das Lágrimas. Além de antiga ela se posiciona na história da cidade e do bairro como um local de significativa importância. A Estrada das Lágrimas levava a Santos e por lá partiam as tropas em períodos de guerra, era nessa figueira que as famílias de despediam daqueles que partiam.

 

Heliópolis

 

A história da comunidade tem inicio em 1971 quando a prefeitura de São Paulo decide desocupar uma área na favela da Vila Prudente em função da construção de um viaduto. Isso faz com que 153 famílias fossem alojadas em caráter provisório num terreno do IAPAS. Com a ação de grileiros a área sofre uma ocupação desordenada com a venda de loteamentos de forma ilegal, fazendo com que Heliópolis chegasse a ser considerada a maior favela da América Latina. Com aproximadamente 1 milhão de metros quadrados e com quase 200 mil moradores, onde 95% destes de origem nordestina habitam 18.080 imóveis. O panorama social é crítico, mesmo com um contingente populacional elevado as escolas públicas não conseguem atender a crescente demanda, as alternativas de cultura e lazer ficam por conta de ações organizadas pela comunidade.

 

A comunidade de Heliópolis é hoje um exemplo de resistência e organização, nos anos 80 os moradores criam a UNAS (União de Núcleos e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João Clímaco). Além da luta por moradia e por infra-estrutura a UNAS inclui em sua pauta questões de cidadania nas áreas de formação e educação, geração de trabalho e renda, criança e adolescente e trabalho e renda.

 

Nesse processo de mobilização social da comunidade de Heliópolis surge a escola Presidente Campos Salles, onde o eixo é “uma educação de qualidade social, libertária e transformadora”. O foco dessa parceria com a escola é transforma Heliópolis num bairro educador.

 

Pontos em comum com o inicio e o fim do Caminho do Mar

 

Desde a concepção do projeto nosso grupo entendeu que a narrativa da história oficial deveria estar presente para que os contrapontos fosses estabelecidos na medida em que os habitantes das cinco cidades fossem ouvidos e compartilhassem suas memórias conosco.

 

Durante a pesquisa no Ipiranga essa premissa continuou a orientar o trabalho, consultamos fontes bibliográficas, realizamos entrevistas registras em vídeo com moradores do bairro, nos aproximamos da comunidade com processos de oficina e intervenção artística.

 

Quando optamos pelo distrito do Sacomã criamos um perímetro que estivesse relacionado com o inicio da Rodovia Anchieta, nesse recorte vimos que o bairro Nova Heliópolis estava presente, mesmo com algum distanciamento das questões que permearam a pesquisa nas outras cidades, optamos por concentrar nossas atividades por lá. Isso se deu pelos pontos em comum com a etapa de Santos quando nos aproximamos da população que vive nos cortiços do bairro do Paquetá. Essa similaridade se deu pela luta por moradia e também pela visível organização popular em torno desse tema. Vimos que curiosamente as duas cidades que estavam nos extremos do Caminho do Mar se conectavam por uma demanda social única, foi então que estabelecemos contato com o CEU Heliópolis e posteriormente com a EMEF Pres. Campos Salles para que estabelecêssemos uma parceria em torno do projeto.

 

Isso não excluiu as outras etapas do processo de imersão que fizemos pelo bairro do Ipiranga onde caminhamos pelas ruas do Sacomã, principalmente pela Silva Bueno, Cipriano Barata e Av. Nazaré. Travamos contato com a Cia de Teatro do Heliopólis e também incursionamos para o outro extremo do bairro na Vila Monumento.

 

Imersão e Entrevistas.

 

Nossa imersão pelo Sacomã aconteceu primeiro pela Rua Silva Bueno bem no número 1533, nesse endereço funciona hoje a sede da Cia de Teatro do Heliópolis, mas antes foi a casa da artista Maria José de Carvalho. Lá fomos recebidos pela atriz Dalma Régia que nos contou um pouco da história da Cia de Teatro e também da artista Maria José e sua relação com o bairro do Ipiranga.

 

Seguimos pelo bairro na procurar de um antigo morador, o Senhor Archimedes Lombardi, além de entusiasta do cinema de 16mm conhece o Ipiranga desde garoto quando veio com sua família do interior. Contou-nos sobre as telhas francesas, inclusive indicando na vizinhança as casas que ainda possuíam telhados com as peças de Marselha.

 

Na Vila Monumento conversamos com Regina Haucke, nascida na cidade de Santos, foi professora na Vila Socó em Cubatão na época da tragédia que resultou no incêndio nos dutos da refinaria. Regina nos contou que todos os dias descia e subia a Serra do Mar para dar aula e como a cada dia uma aventura nova a esperava, talvez ela tenha sido a pessoa que encontramos durante o projeto que mais tenha transitado o Caminho do Mar.

 

Oficina História de Nós e Intervenção

 

Depois de firmarmos a parceria com o CEU Heliópolis e com a EMEF Campos Salles, articulamos a “Oficina História de Nós” com os alunos do EJA dessa escola. A oficina aconteceu durante os dias 10 e 15 de agosto das 20h00 as 23h00, sendo que no primeiro dia compartilhamos as informações do projeto “Footfalls ou por onde caminho o mar?” e a exemplo de Santos, aplicamos a metodologia da geografia social chamada Mapa Mental, essa atividade consiste em que os participantes da oficina criem o traçado cartográfico de seu local de moradia (nesse caso da comunidade de Heliópolis) a partir das próprias memórias de indicadores afetivos. Os participantes se dividiram em grupos de cinco pessoas e cada grupo criou seu mapa mental tendo o local da oficina como ponto de partida, a proposta era que nos mapas estivessem não só as ruas e vielas, mas também as pessoas que representavam a Heliópolis que eles reconheciam como seu local de convivência. O objetivo era que ao final ao juntarmos todos os mapas conseguíssemos um traçado de como aquele grupo via a comunidade. No segundo dia de oficina os mapas foram apresentados e os grupos trocaram suas experiências de criação, também debatamos sobre o Caminho do Mar e constatamos que para aquele grupo a Via Anchieta estava secundarizada, porque a maioria dos moradores de Heliópolis utiliza a Estrada das Lágrimas até São Bernardo para só depois acessarem a Via Anchieta rumo ao litoral. Esses depoimentos foram gravados pelos próprios participantes da oficina como uma vivência de registro documental. Depois todos participaram de dinâmicas próprias do teatro como forma de integração do grupo.

Intervenção Artística “Ação nº 06 - Lágrimas no Caminho”

 

A intervenção “Ação nº 06 - Lágrimas no Caminho” procurou dialogar com o imaginário da Estrada das Lágrimas e a figueira localizada no número 515 da mesma via. Nela os elementos e metáforas levantadas nas etapas anteriores na pesquisa do Caminho do Mar foram explorados na composição cênica e nos adereços e figurinos das artistas. A intervenção ocorreu no dia 5 de agosto de 2017.

 

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