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Aportando em Cubatão, a segunda etapa do projeto

por Cristiane Santos

A Cubatão Oficial

 

Etimologicamente Cubatão vem de Cubata "rancho", com a desinência portuguesa, do aumentativo:Ão, formando Cubatão ou "rancho grande", outra possibilidade esta em uma possível origem advinda do hebraico-africano: Cuba "fortificação, distrito fortificado, torre" e Taon "duplicidade, dualidade, duplo", formando o vocábulo Cubataon, como aparece em documentos antigos, com o significado de "torre ou fortificação dupla" ou "distrito fortificado duas vezes ou duplo", segundo o historiador Francisco Martins dos Santos, Cubatão vem do tupi Cui-pai-ta-ã contraído em Cui-pai-tã e significa “rio que cai do alto”

 

Ela “nasce” do período colonial brasileiro, para a exploração e enriquecimento da coroa portuguesa, o navegador Martim Afonso de Souza, recebeu do então rei Dom João III, poderes para a defesa e distribuição de terras e a missão de povoa-la em 22 de janeiro de 1532.

 

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Um salto no tempo para chegar a Cubatão que nos interessou.

 

A Cubatão que nos interessou começa em 1949, com sua emancipação no dia 9 de Abril, e que esta alinhada com o espirito progressista desta época, pois esbarra com a construção, em 1947, da Via Anchieta, chamada de "orgulho da engenharia rodoviária nacional", a mais moderna das rodovias brasileiras na época; Com o crescimento, o fortalecimento comercial e industrial, o bairro começou a perder suas características agrícolas e começou a sonhar com o futuro e os fluxos migratórios, em sua maioria de nordestinos, se intensifica, pois é a cidade das grandes oportunidades, porém não raro é possível observar o preconceito que se instaura para com os migrantes nordestinos. Entre os muitos conflitos e embates físicos na politica municipal, Cubatão irá se tornar palco de assassinatos de figuras politicas; ambos os crimes políticos, advindos do Golpe de Estado no Brasil de 1964 torna a cidade de Cubatão durante o regime militar Área de Segurança Nacional com a Lei 5 449, tendo em vista os interesses estratégicos industrial, elétrico e de fornecimento hídrico. Começou então a fase dos interventores e tudo o que irá reverberar na construção subjetiva desta cidade.

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Fonte de pesquisa: Cubatão, a Rainha das Serras, org. Cesar Cunha Ferreira e Marildo Passerani, Editora Noovha América, 2005, São Paulo.


 

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A Cubatão que encontramos

Parcerias, afetos e um laboratório de investigação poético para as ruas.

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Nossa viagem a Cubatão contou com a parceria do Coletivo 302, representado no primeiro encontro (03 de abril de 2017) por Matheus Lípari , ator cubatense, que nos apresentou o espaço do grupo, um galpão dentro do Parque Novo Anilinas, onde estão desenvolvendo suas atividades artísticas. Este parque fora criado para que as crianças e famílias dos trabalhadores da indústria fossem usufruir de um espaço de lazer aos fins de semana, é chamado de Anilinas, por ter existido uma fábrica de mesmo nome no local.

Matheus nos levou a percorrer a avenida principal, Nove de Abril, lugar onde todos se encontram e como nos conta com a expressão, “vou Navinida”, para designar lugar de encontros e resoluções de questões cotidianas, ligadas ao comércio e pagamento de contas e também compartilha conosco como Cubatão atravessa tua própria história de vida, pois nasceu e estudou e foi desde sempre preparado para trabalhar na indústria, mas a arte sempre foi esbarrando no seu caminho. Contou-nos do seu percurso de trabalho na indústria às viagens para fora da sua cidade e no retorno à “Rainha das Serras”, ampliou-se sua percepção de que há muito a se fazer por sua cidade, e os deslocamentos podem e devem contribuir para cultivar, o lugar-terra Cubatão.

 

Matheus traça um panorama da cidade, pela perspectiva de quem a vive, com todos os seus afetos e imbuído de um sentido de pertencimento a ela, contrapondo questões que o próprio nos conta quando diz: “que o cubatense não se reconhece cubatense, ele diz que é de Santos”.

Matheus fala sobre Cubatão e seus processos industriais e também vai desfazendo os imaginários da cidade poluída, a Chernobyl brasileira, esta imagem que ainda habita Cubatão como uma fantasmagoria.

O processo de industrialização fez nascer uma Cubatão com a prerrogativa do trabalho, a cidade conhecida por sua plantação de bananas, torna-se rapidamente um polo industrial com empresas do ramo petroquímico, siderúrgico, químico, fertilizantes e logistico, e durante todo o período da ditadura militar é protegida e vigiada, o que reverbera na educação e na organização da cidade: uma cidade permanentemente vigiada e que educará seus filhos para uma formação tecnicista que levará a grande conquista de trabalhar na indústria.

 

Cubatão a menina dos olhos do Capital. É nesta construção simbólica, que mora o desafio de entender outros fluxos que permeiam a cidade, pois este auge do emprego, que fez mover a cidade em grandes fluxos migratórios, advindos em sua maioria da região do Nordeste, não existe mais, este passado das grandes oportunidades de emprego esta encoberta por uma sensação de abandono misturada há uma esperança de dias melhores. A realização da intervenção “Ação nº01- Conte-me tuas Histórias”, proposição da artista-criadora Patrícia Santos vai revelando estas camadas de Cubatão e reafirmando metáforas e imagens, que vão permeando o Caminho do Mar, o caminho do escoadouro de mercadorias, do trabalho, da industrialização, do espirito progressista, da ordenação e das tragédias naturais, das águas naturais ao fogo da siderurgia, as forças de dominação do Homem X Natureza e o quanto esta Natureza não pode ser dominada, pois ela sempre encontra modos de contrapor este processo civilizatório.

É a partir deste dispositivo da intervenção “Ação nº01- Conte-me tuas Histórias que fomos colhendo histórias, imagens, sonoridades, perguntas, movimentos e fluxos desta cidade, seguindo uma metodologia de pesquisa proposto por Patrícia Santos, organizou-se cinco grandes temas e/ou perguntas, cinco critérios para a pesquisa: MAPA ORIGINAL, PERSONAS, RELIGIOSIDADE, ARQUITETURA e O ACASO/DERIVA, que permeou todas as cidades do caminho do Mar.

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Oficina Historia de Nós e Intervenções 

                             A Cubatão do Abraço e das novas potências... Arte como linha de fuga.

 

A oficina Histórias de Nós, foi desenvolvida para ser um espaço de pesquisa e criação de modo a potencializar as interlinguagens que compõem o projeto, sendo um laboratório de pesquisa estética movente e adaptável às realidades das cidades e pessoas que compõem o caminho do mar. Criar e experimentar metodologias para um trabalho exigiu mergulhar na singularidade de cada Cidade, observando aquilo que se REPETIA e aquilo que na REPETIÇÃO se torna uma DIFERENÇA. Esses conceitos REPETIÇÃO/DIFERENÇA foram chaves de investigação poética para a composição cênica do Work in progress do projeto.

 

A oficina aconteceu nos dias 22 e 23 de Abril no espaço do Coletivo 302 no GALPÃO CULTURAL do Parque Anilinas, e com a parceria deste núcleo artístico em Cubatão foram experimentados três dispositivos de investigação: “Ação nº01- Conte-me tuas Histórias”, “Ação nº 02 – Cubatão, meu amor” e “Ação nº03 - Rainha das Serras”.

Intervenção Ação nº01 - Conte-me tuas Histórias

Essa intervenção foi uma proposição da artista criadora Patrícia Santos que consistia na elaboração de placas com o seguinte enunciado: “Conte-me tuas Histórias”, o artista-criador ficaria sentado em algum ponto da Avenida Nove de Julho para ouvir e recolher histórias dos moradores da cidade a partir desse estranhamento causado pela presença do performer.

 

A partir deste dispositivo poético, desdobraram-se outras intervenções para ir ao encontro das memorias e histórias dos moradores da cidade com um acabamento estético menos acadêmico e formal, a pesquisa ganha um contorno, uma forma e uma abordagem artística. A dupla Marcelo Eme e Barbara Morais propõem uma ambientação de documentário, abordando as pessoas e fazendo perguntas relativas à cidade, é construída uma instalação com elementos de praia, elemento poético que surgiu na intervenção no bairro Paquetá em Santos, no qual as pessoas são convocadas a participar deste jogo e um trajeto pela entorno da avenida principal como mulher-sanduiche, com uma câmera gopro instalada no corpo para ir filmando o percurso, lugares, pessoas, arquitetura enquanto os nomes da Cubatão, dos povos originais, eram evocados.

Antes da realização da Intervenção foi criado um evento dentro da fanpage do projeto para alcançar via rede social mais pessoas da Cidade. A intervenção aconteceu nos dias 10 e 22 de abril de 2017.

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Metodologia da Oficina História de Nós e Ação nº 02 – Cubatão, meu Amor!

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Para iniciar a proposta da Oficina História de Nós, realizamos um laboratório performático criado a partir dos imaginários e fantasmas que ainda habitam Cubatão realizado dentro da sede do Coletivo 302, agora com a participação dos outros integrantes do grupo (Sander, Sandy, Douglas, Andrea, Allana, Matheus) e participantes inscritos, gerando uma experiência sinestésica confrontando os que habitam a cidade com os imaginários simbólicos que extrapolam ao território, por meio de um vídeo em looping mostrávamos uma composição de fragmentos de imagens, músicas, uma narrativa não linear desta Cubatão multifacetada: máquina de poluição, a Chernobyl brasileira, a indústria, a tragédia da Vila Socó, o guará vermelho, símbolo da resistência e da cidade despoluída, as bananas, os mangues, os rios, cachoeiras, as belezas da sua natureza, o antigo Parque Cidade das Crianças Anilinas, o bloco de carnaval de rua.

 

Aos participantes da oficina, foi oferecido bananas, foram separados de suas bolsas e ordenadamente colocados em lugares determinados, ao termino da sessão foram conduzidos a realizar o procedimento da escrita automática e após, uma conversa sobre as impressões desta experiencia.

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Os participantes da oficina vivenciaram a partir de procedimentos cênicos, imagens, textos e objetos praticas relativas à composição cênica por meio de estratégias coreográficas como DINAMICAS do MOVIMENTO, ESPAÇO E TEMPO, em relação às metáforas da pesquisa da cidade de Cubatão e do caminho do mar escolhidas pelo núcleo artístico para trabalhar com o grupo participante.

Começamos a vivencia realizando um intenso trabalho de presença e pesquisa de movimento e jogos de improvisação, que se desdobrou em alguns estudos de composição cênica. Neste curto período de tempo, porém muito intenso de trabalho, conseguimos estruturar uma intervenção para as ruas nomeada pelos participantes de “Ação nº03 - Rainha das Serras”, surgindo uma Cubatão desejosa de um abraço, em tempos difíceis e de abandono pelas esferas politicas, ao corpo urge mover-se de encontro às potencias da força do coletivo, uma Cubatão que precisa ser acolhida, e o abraço, o ato de abraçar e suas intensidades, são convocadas ao jogo de composição cênica.

 

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“O que é dançar afetos com a Cidade? Cubatão... Cubatão... A Rainha das Serras... A metalurgia... A alquimia do polo químico... Os rios, os mangues, o que se renova com as linhas de fuga da arte. Muito se renova e renasce!”- Notas de caderno de processo Cristiane Santos.

Este acontecimento percorreu a avenida principal de Cubatão e o abraço vai nascer justamente no prédio onde existe a promessa inconclusa de um teatro a ser construído. Em meio às ruínas, os “afectos de alegria”, como diria Spinoza, podem nascer.

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Dos encontros com estes fluxos-temas, nasceria à cartografia de Cubatão, nasceria este outro traçado do caminho do mar, dos caminhos originais, dos caminhos entre (lugares de descarga, trabalho, gentes, histórias, fricções, afetos de alegrias e tristezas, etc.) e os caminhos inventados, daquilo que se renova em outras potencias, nas águas dos rios e do mar, estas intensidades serão convocadas para a composição cênica do Work in progress. Aqui novamente se aponta o imaginário da Miss Santos, mas agora temos uma outra Miss, temos a Rainha das Serras, a linha de fuga que se renova em afetos e pulsão de vida e uma Miss Progresso, uma máquina da indústria, daquilo que devasta.

Cubatão é uma multiplicidade, uma alquimia de forças que se contrapõem o tempo todo. O impacto de nossas ações entre oficina e intervenções nos faz retornar para a realização do Work in progress.

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