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Fevereiro de 2017

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Iniciando o caminho . . .

 

A relação com os espaços urbanos, a arquitetura e memória das cidades, de seus habitantes e suas alegorias são temas de trabalhos dos núcleos envolvidos nesse projeto. O “Caminho do Mar” surge inicialmente como elemento poético de criação no projeto Dançando com a Cidade, do Núcleo Cia. As Marias, resíduo da memória afetiva dos moradores e marco do desenvolvimento da cidade de São Bernardo do Campo, cidade onde reside o grupo e por onde passava um dos caminhos do mar.

 

Ao elegemos as cidades de Santos, Cubatão, São Bernardo do Campo, Paranapiacaba, São Paulo (Bairro do Ipiranga), cidades que constituem o chamado Caminho do Mar Paulista, para pesquisa e criação pretendemos experimentar, aprofundar e ampliar artisticamente questões acerca desse caminho histórico do desenvolvimento do estado de São Paulo.

 

O Caminho do Mar tem importância fundamental para o desenvolvimento de São Paulo, como afirma a jornalista Liz Batista:

 

“Fechada em 1985 para o tráfego de automóveis, a Estrada Velha de Santos, ou Caminho do Mar, faz parte da história de São Paulo.

É fato que do seu surgimento, no período colonial, até sua desativação, na década de 1980, a rota cumpriu papel fundamental para formação da capital paulista e desenvolvimento do País.

A mais antiga rota do interior do País para o litoral Atlântico surgiu por volta de 1560, quando o governador Mem de Sá recorreu aos jesuítas para que abrissem uma trilha, alternativa às indígenas, para transpor a Serra do Mar. A vereda recebeu o nome de Caminho do Padre Anchieta e tornou-se o caminho usado para o transporte de ouro até Santos e para o comércio de produtos.

 

Em 1792, um novo trajeto foi aberto, a Calçada do Lorena. Toda pavimentada em lajes, a notável obra de engenharia do período foi idealizada para dinamizar o comércio e escoar a produção.

Foi por essa rota que o príncipe regente D. Pedro subiu a serra em direção a São Paulo para proclamar a Independência do Brasil em 7 de setembro de 1822. No Brasil Império, em 1844, a rota foi melhorada e ganhou o nome de Estrada da Maioridade em homenagem ao menino regente D. Pedro II. Vinte anos depois, a estrada passou por mais uma reforma e foi reinaugurada com o nome de Estrada Vergueiro em 1864.

 

No século 20 a rota ganhou mais dois nomes e uma música. A rota chamada então de Caminho do Mar, ou Estrada do Mar, foi usada pela primeira vez por automóveis em 1908, no que ficou conhecido como o primeiro “Raid automobilístico São Paulo- Santos”. Em 1913, ela passou por obras - pedras de macadame foram usadas para cobrir a estrada - e foi adaptada para o tráfego de automóveis.

Na década de 1920 foi pavimentada com concreto e se tornou a primeira rodovia da América Latina. Com a inauguração da Via Anchieta em 1947, a rota passou a ser um trajeto secundário e ganhou o nome de Estrada Velha. Em 1969, a estrada que ainda estava em atividade serviu de inspiração para a canção As curvas da estrada de Santos de Roberto Carlos. Em 1985, ela foi desativada. Desde 2004, a estrada está aberta para passeios turísticos.”.

(fonte: http://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,caminho-do-mar-coleciona-nomes-e-historias,11794,0.htm )

 

Entendemos que esse caminho histórico se desdobra artisticamente num caminho poético para algumas questões que nos movem:

 

“Como criar poéticas interlinguagens para as ruas que abarquem as memórias dos passantes, as histórias ditas não oficiais e a urgência do presente?

 

Como criar com os afectos que atravessam a malha urbana e o corpo dos habitantes?

 

Como experimentar poeticamente as imagens do passado no corpo urbano presente e confrontá-las com o presente?”.

 

Entendemos o conceito de cidade sob a ótica de novas teorias, que enfatiza a noção de corpos em movimento como importante camada da malha urbana. Lefebvre, por exemplo, argumenta que o espaço não é uma limitação física, mas sim algo produzido historicamente a partir de como às pessoas agregam significação através de suas atividades cotidianas. Para ele, há um espaço que preexiste ao fenômeno natural, há também o espaço absoluto, o espaço abstrato e o espaço ainda por vir, todos interconectados e sobrepostos. (Lefebvre, kofmam et al.1996).

 

Todas estas questões implicavam em estabelecer relações com estas cidades e com suas pessoas, dinâmicas, espaços de afetos, arquiteturas e em pensar o espaço como um espaço vivo, espaço sujeito às relações e perspectivas que o colocam em movimento, numa perspectiva relacional que o retira da fixidez, situando-o no momento presente da ação de quem propõe a experimentação e de quem aprecia ou participa dela, entre dois, uma terceira possibilidade se anuncia, criar com o passante/ público outra poética para cidade.

 

 

Cinco Cidades Cinco Critérios

 

Partindo do traçado do caminho do mar e suas histórias (Trilha feita pelos índios Guaianás - Caminho do Padre Anchieta – Calçada do Lorena – Estrada da maioridade – Estrada do Vergueiro – Estrada velha de Santos – Via Anchieta), sua geografia social, os ciclos econômicos, muitas perguntas nos perpassaram e foram a válvula propulsora para formulação da metodologia de pesquisa do projeto. A partir da provocação trazida pela artista criadora Patricia Santos sobre quais perguntas cada integrante teria para se relacionar com “a alma” das cinco cidades do Caminho do Mar, elegemos 5 critérios para sobrepor ao mapa atual e iniciarmos nossa pesquisa pelas cidades:

 

1. Localidades próximas aos traçados registrados dos caminhos do mar.

Quais são os bairros principais dentro desse recorte?

2. Pessoas nascidas ou criadas nas cidades que compõem o trajeto.

Trabalhadores, migrantes e imigrantes, quilombolas, povos indígenas, pessoas de ação, outsiders e a multidão.

3. Religiosidade

4. Arquitetura (casas, prédios, ruinas antigas, construções e reconstruções que se acumulam com as mudanças sociais ocorridas e a relação do corpo com estes espaços)

5. Acaso/ DERIVA

O que está por vir? O que se revela na pesquisa de campo, no estar em deriva na/com a cidade e seus fluxus.

 

O quinto critério surgiu baseado na teoria da Deriva, de autoria do pensador situacionista Guy Debord.

 

“Aplicada como um exercício de perder-se no território para descobri-lo e decifrá-lo,  a Deriva contraria as fórmulas do reconhecimento cotidiano, induzido e superficial para desenvolver a percepção e a análise crítica do espaço e do tempo reais onde e quando vivemos. A favor do conhecimento liberado da rotina involuntária e das influências impostas pela “indução” e pelo “comportamento”, a Deriva se destina a superar a visão do território como terreno de atividades massificadas e previsíveis, a estimular a participação dos seres humanos enquanto personagens vivedores e não simples atores figurantes. Por eliminar as censuras impostas pelo condicionamento, o  deslocamento intencionalmente fugidio, aleatório e sem rumo da Deriva revela os efeitos psicogeográficos do território sobre seus usuários; por combater os mecanismos de alienação e estratificação da vida social, a Deriva elimina as barreiras físicas e as patologias mentais exercidas pelo planejamento fragmentário e segregador do território; por  eliminar os instrumentos racionais de conduta passiva substituindo-a pelo comportamento participativo a Deriva propõe a apropriação consciente dos espaços de habitar e a construção de um novo urbanismo” (fonte: http://reverbe.net/cidades/portfolio/teoria-da-deriva-e-o-urbanismo-situacionista/)

 

Decidimos também que o caminho do mar que pesquisaríamos partiria do avesso do oficialmente estabelecido, invés de iniciarmos ele pelo planalto, pela terra, pelo bairro do Ipiranga em São Paulo, escolhermos iniciá-lo pelo Mar, pelo porto, pela cidade de Santos e aí subirmos para Cubatão, São Bernardo, Paranapiacaba e chegarmos ao Bairro do Ipiranga.

 

Com esses critérios como norteadores do caminho, nos abastecemos de cadernos, máquinas fotográficas, filmadoras, gravadores, corpos em abertura e em estado de atenção para reconhecer e recolher os imaginários que escapam da história oficial da região (marcada como caminho do escoadouro das riquezas seja o ouro, o café, ou a indústria); a história dos corpos em movimento, das memórias afetivas que os habitantes experimentam e constroem em seus passos, em suas passagens pela terra e pelo mar dessas cidades.

 

A oficina História de Nós e as Intervenções

Dispositivos de investigação artística

 

Como contrapartida do projeto planejamos a realização de cinco Oficinas e a realização de cinco experimentos artísticos para as ruas destas cidades e no fim o retorno a 3 delas para o compartilhamento de Work in progress congregando as linguagens artísticas abordadas e as investigações realizadas nessas cidades.

 

Pensamos a Oficina Histórias de Nós como um dispositivo desenvolvido para ser um espaço de pesquisa e criação de modo a potencializar as interlinguagens que compõem o projeto, sendo um laboratório de pesquisa estética movente e adaptável às realidades das cidades e pessoas que compõem o caminho do mar. Dentro desse desejo criamos 3 perguntas iniciais para acompanhar a oficina:

 

COMO É A CIDADE QUE VOCÊ HABITA?

QUAIS HISTÓRIAS HABITAM VOCÊ E A CIDADE?

O MAR PERCORRE VOCÊ?

 

Criar e experimentar metodologias para um trabalho assim exigiria de nós mergulharmos na singularidade de cada Cidade numa criação dialógica com o espaço que nos acolheria nessa jornada.

 

As experimentações, intervenções artísticas também surgiriam dessa escuta oriunda da Oficina em cruzamento com os interesses surgidos na pesquisa teórica e na pesquisa de campo realizada por nós durante nossa imersão pela cidade. O que cada caminho suscitava em nós? Quais linguagens artísticas poderiam ser mesclar para intervir no fluxo da cidade e de seus habitantes?

 

Realizados os contatos inicias de pré-produção, com esses apontamentos partimos rumo ao mar . . . rumo ao nosso caminho do mar ainda por vir!

PARTIDA

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